apoio cultural poderá ser realizado por entidades de direito privado e de direito público.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Deputado Federal Ivan Valente (PSOL-SP) faz discurço em favor as Rádios Comunitárais .

Em defesa das rádios comunitárias

Lido pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) nesta quarta-feira, dia 18/02.

Sr. Presidente, sras e srs. Deputados,

A imprensa fez muito alarde, na semana passada, ao noticiar um projeto de lei encaminhado pela Presidência da República ao Congresso, descriminalizando a prática da radiodifusão comunitária. Os grandes donos da mídia, que se dizem defensores da liberdade de expressão, foram os primeiros a dizer que o PL estimularia a profusão de rádios chamadas por eles de piratas. Na verdade, o grande mérito do projeto de lei é dizer que praticar comunicação sem licença não é crime, não pode ser um assunto, portanto, tratado pela Polícia Federal, como há décadas acontece neste país.

Neste momento, é preciso lembrar que o Brasil vive uma das situações mais extremas de violação do direito à comunicação de suas comunidades. A lei que regula a radiodifusão comunitária no país é extremamente restritiva. Impõe limites de potência, altura de antena e área de cobertura que pouco dialogam com nossa estrutura geográfica. Da mesma forma, impede o funcionamento das emissoras em rede, bloqueando qualquer iniciativa coletiva em defesa do interesse público; e restringe as formas de financiamento dessas emissoras, fazendo com que muitas deixem de existir por total falta de recursos, apesar da dedicação e empenho das comunidades. A lei 9612/98, que regula o setor, ainda tem um problema sério: reserva apenas um canal para emissoras comunitárias por localidade, deixando todo o restante do espectro eletromagnético para a exploração de rádios comerciais. Tal situação leva a absurdos como o que acontecem em minha cidade, São Paulo. Lá, o dial FM tem 39 canais para rádios comerciais e apenas um para emissoras comunitárias.

Também é preciso lembrar, Sr. Presidente, que muitas dessas emissoras funcionam de forma irregular porque simplesmente não conseguem obter a autorização do Ministério das Comunicações para operarem. Além dos procedimentos serem altamente burocratizados, o próprio MiniCom já admitiu que não tem a estrutura necessária para responder à demanda por novas outorgas. O resultado é que há comunidades que esperam mais de sete, oito anos para obterem uma autorização de funcionamento. Enquanto isso, a liberdade de expressão dessas pessoas segue violada cotidianamente.

Neste sentido, o projeto de lei que descriminaliza a prática de radiodifusão não autorizada é muito bem vindo. Se aprovado, deixaremos de conviver com situações bárbaras como a constatada também na semana passada, quando policiais do BOPE foram chamados para fechar rádios no Rio de Janeiro. Que crime essas pessoas estariam cometendo? A prática da radiodifusão comunitária sem autorização não prejudica a ninguém, ao contrário, beneficia diversas comunidades que passam a ter veículos que dialogam com sua realidade.

Por outro lado, é preciso fazer uma crítica ao projeto enviado pela Presidência. Se por um lado ele retira a questão de um tratamento criminal, por outro ele aumenta fortemente as sanções administrativas. Pelo novo PL, "a execução do serviço de radiodifusão comunitária sem a devida autorização do Poder Concedente constitui infração gravíssima sancionada com a apreensão dos equipamentos, multa e a suspensão do processo de autorização de outorga ou a impossibilidade de se habilitar em novo certame até o devido pagamento da referida multa".

Além disso, segundo o novo texto, a veiculação de qualquer tipo de publicidade em desacordo com a lei 9.612 se torna penalizável com a revogação da autorização para funcionamento. Não há motivo para aumentar a punição por isso, já que este é um ponto cuja regulamentação é vaga e controversa e essa definição cria uma insegurança jurídica que pode inibir práticas legais pelas emissoras.

Outra questão que precisa ser aperfeiçoada no projeto é uma definição mais precisa de radiodifusão comunitária, cujo cumprimento possa ser verificado num momento de fiscalização. Do contrário, correremos o risco de tratar da mesma forma qualquer prática não autorizada de radiodifusão, sabendo que há diversas emissoras comerciais que funcionam ilegalmente com o único objetivo do lucro privado.

Por fim, Sr. Presidente, lembro que há outro projeto que trata da descriminalização das rádios comunitárias em tramitação na Casa. Trata-se do substitutivo do deputado Walter Pinheiro, aprovado em dezembro na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Ele descriminaliza a prática, anistia aqueles que estão sendo processados criminalmente – o Código Brasileiro de Telecomunicações previa pena de detenção para toda transmissão sem autorização – e não aumenta nenhuma sanção administrativa. Nos parece, portanto, uma melhor abordagem legal para a questão.

Aqui, então, destaco minha concordância com o parecer do deputado, que afirma que “as rádios comunitárias verdadeiras, operando com ou sem outorga, não representam uma ameaça à radiodifusão comercial, à população ou ao sistema de controle do tráfego aéreo, como muitos querem fazer crer”. As rádios comunitárias, pelo seu caráter democratizante e por serem uma forma de exercício do direito à comunicação das comunidades brasileiras, não podem e não devem ser tratadas como qualquer serviço de radiodifusão. Devem ser protegidas, apoiadas e estimuladas, para que a mídia em nosso país possa, de fato, ser reflexo da nossa pluralidade e da nossa diversidade.


Promover e incentivar as rádios comunitárias é uma reivindicação histórica do movimento pela democratização da comunicação e uma promessa até hoje não cumprida pelo governo Lula, que até agora aplica para essas emissoras a mesma política de repressão desenvolvida nos governos de FHC.


Muito obrigado.

Ivan Valente

Deputado Federal - PSOL/SP

18 de fevereiro de 2009